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quarta-feira, setembro 4

Conheça o novo livro de Alex Atala: D.O.M. – Redescobrindo Ingredientes Brasileiros


Atala: livro prefácio de Alain Ducasse e lançamento em metrópoles como Londres e Nova York (Foto: Mario Rodrigues)
Em meio a uma apertada agenda de compromissos internacionais, Alex Atala, chef e dono do restaurante D.O.M., me deu uma entrevista sobre seu próximo livro, D.O.M. – Redescobrindo Ingredientes Brasileiros, cuja prova obtive, em primeira mão, com a Editora Melhoramentos, responsável pela publicação no Brasil. A coletânea de receitas e reflexões sobre a cozinha brasileira deve chegar às lojas a partir de 15 outubro e é um lançamento da britânica Phaidon. Sairá simultaneamente em vários países com versões em inglês, alemão e holandês, além do português. Trata-se de algo inédito entre os chefs brasileiros.
Atala autografará a obra primeiro Londres, cidade sede da Phaidon, no dia 4 de outubro. Depois segue para Frankfurt, onde participará da feira do livro. Põe o pé  no avião e vai para Amsterdã, Berlim, Melborne, Sidney, Margaret River (cidade australiana conhecida pela produção de vinhos), Nova York, São Francisco e Toronto. Na Ásia, ainda falta confirmação para as sessões de autógrafos em Singapura e Tóquio.
Conversei com Atala duas vezes. O primeiro papo foi mais longo, em um intervalo entre almoço e jantar no D.O.M., pouco antes de o chef embarcar para Copenhague para a participação no MAD Food Camp, simpósio gastronômico criado pelo chef René Redzepi, do premiado restaurante Noma.
Voltei a falar com o chef ontem, por telefone, às vésperas de ele seguir para o Peru. Nesta semana, Atala participa de três eventos em Lima: a premiação dos cinquenta melhores restaurantes da America Latina pela revista inglesa Restaurant, na qual é favorito para faturar mais esse título, uma vez que o D.O.M. está entre os top ten do mundo, ocupando a sexta colocação, a feira de comida peruana Mistura, que atrai chefs do mundo todo, e o evento Gelinaz!.


No retorno a São Paulo, Atala volta a se dedicar ao D.O.M. – Redescobrindo Ingredientes Brasileiros, que se encontra em pré-venda aqui e no exterior, tem 292 páginas e custa 149 reais. Seu texto foi pensado para estrangeiros como uma introdução à culinária nacional e às receitas criadas pelo chef e sua equipe. Trata-se também de uma encomenda da Phaidon que deu total liberdade para Atala trabalhar, exceto pelo projeto gráfico, elaborado pela própria editora.
O livro do cozinheiro paulistano faz parte de uma série que inclui obras do dinamarquês René Redzepi, dos espanhóis Ferran Adrià e Andoni Luis Aduriz, do sueco Magnus Nilsson e do americano Daniel Patterson. Recheado de belas fotos de cenas brasileiras feitas por Edu Simões e de receitas e ingredientes clicadas por Sergio Coimbra, traz um longo e caloroso prefácio do chef francês Alain Ducasse, que traça uma minibiografia de Atala. Curiosamente, D.O.M. – Redescobrindo Ingredientes Brasileiros em nada se parece com os livros anteriores do cozinheiro – Por uma Gastronomia Brasileira (2003) e Escoffianas Brasileiras (2007).
Embora num primeiro momento dê uma ideia que se trata de um livro para inglês ver, basta vencer as primeiras páginas para se embarcar em uma interessante reflexão sobre a culinária brasileira hoje, o cotidiano do chef na cozinha, a valorização dos pequenos produtores, a produção de alimentos em larga escala, o desmatamento e suas consequências, a gastronomia sustentável. “Não adianta ser vegetariano e comer soja produzida por grandes produtores que esterilizam todo um ecossistema ao implantar a lavoura”, afirma.
Não é só neste tema espinhoso que Atala toca. Há um texto de três páginas sobre a morte. “Sei que isso pode ser incômodo em um livro de receitas”, avalia. Essa passagem começa com a história de um chef que em uma classe repleta de alunos toma nas mãos um frango, acaricia-lhe a cabeça em um gesto aparente de ternura e, em seguida, quebra-lhe o pescoço e o degola, recolhendo sangue em um prato. “Se fosse pública, essa cena certamente chocaria. Faria daquele personagem um tirano, um selvagem” é sentença que encerra esse parágrafo.
Foi exatamente o que Atala fez no MAD Food Camp e despertou horror e ira do lado de cá do Atlântico. “A repercussão no Brasil está muito dura, em especial nas redes sociais. Até ameaças recebi”, conta. “Lá fora foi bem diferente, recebi muito elogios.” Ele diz que sua intenção é discutir a morte na cozinha, já que frangos comprados congelados já estiveram vivos um dia. Acha também que os cozinheiros urbanos estão cada vez mais distantes da matéria-prima em seu estado natural. Ainda no livro, afirma que se fosse usado um peixe, não correria o risco de “ser rotulado de cruel e sanguinário”. Peixes e frutos do mar têm enorme beleza e, por isso, o ser humano inclusive tolera vê-lo inteiros quando são preparados e servidos na mesa.
Prossegue dizendo no livro: “nós somos muito complacentes. Muitas vezes, o prazer mascara nossa crueldade. [...] A relação do ser humano com o meio ambiente sempre foi de extração, de tirar proveito. A mudança que proponho não está em nossas ações, mas em nossos princípios. [...] A relação entre o homem e o alimento deve ser repensada. [...] No modelo atual, o relacionamento entre o homem e seu meio ambiente caminha para a falência.”
O livro está dividido nos capítulos “laticínios e carnes”, com uma passagem dedicada às formigas consumidas até hoje no Vale do Paraíba, “peixes e frutos do mar”, “o tratado da caipirinha”, “vegetais” em que relata sua obsessão em encontrar cogumelos nativos e uma detalhada apresentação da raiz aromática priprioca. Ele encerra com uma técnica de nome difícil, nixtamalização, que embora proibida por lei no Brasil, é usada em quase todo o país para elaborar doces, como o de abóbora em pedaços de interior macio e casquinha firme. É a popular cal viva. A nixtamalização, de acordo com Atala, é uma das mais antigas técnicas de cozinha mesoamericana e sul-americana, já utilizada por incas e maias para preparar diversos vegetais. Atala adota o processo para fazer as sobremesas batizadas de abóbora, carvão vegetal com sorvete de tapioca e de mamão verde, iogurte e bacuri.
A capa do novo livro, cujo noite de autógrafos em São Paulo está prevista para a primeira semana de novembro

Leia os principais trechos da entrevista:

O surgimento do livro
A Phaidon, que sempre foi especializada em arquitetura e arte, convidou alguns chefs para escrever. O primeiro foi o Ferran [Adrià, cozinheiro espanhol que revolucionou o universo gastronômico ao criar as técnicas da descontrução, das esferas líquidas e das espumas], o segundo, o René [Redzepi, dinamarquês proprietário do Noma que já foi considerado o restaurante número 1 do mundo pela revista britânica Restaurant e, hoje, ocupa a segunda posição]. Tive a felicidade de ser incluído. É um livro para o mercado inglês, ou melhor, para quem fala inglês. A primeira edição sairá também em português, alemão e holandês. Fico muito feliz porque não esperava tantas versões na primeira edição [mundial]. Tenho ainda a ansiedade de ver uma versão em espanhol para quebrar essa fronteira linguística que nós temos com toda a América Latina.
Como ela faz com todos os chefs. Segue a praxe do mercado. Recebi um fee para produzir o livro, um direito sobre capa dentro do padrão de mercado, nem para cima nem para baixo. Briguei muito para que a ficha técnica fosse 100% brasileira. Não consegui. A direção de arte é da editora, mas o restante da equipe é brasileiro. Todos os textos são da [jornalista] Carolina Chagas. Funcionou exatamente como funcionou com o Escoffianas [Brasileiras]. Faço minhas reflexões e a Carolina, de uma forma mais profissional, coloca em ordem, dá uma limpada no texto, transcreve. Depois, eu leio e a gente discute um pouco. Quando ficou pronto, foi traduzido para o inglês. É um livro para quem nunca veio ao Brasil.
Já escutei coisas duras como se eu não me constrangia em fazer comida cara em um país pobre
Curiosidade internacional
Este livro veio com o reconhecimento internacional, do mundo que olha para Brasil e para o meu trabalho com curiosidade. Nele, tento mostrar o que eu quero e dar respostas às perguntas recorrentes que ouço fora daqui. Nas viagens para outros países, é comum os jornalistas perguntarem sobre o desmatamento. Também escutei coisas duras como se eu não me constrangia em fazer comida cara em um país pobre. É como se as mazelas sociais só existissem no Brasil e não existissem na França, nos Estados Unidos ou em qualquer outro país. A gente sofre muito com os estereótipos. E entendi que falando de Brasil, de Amazônia, precisava dar uma mensagem um pouco mais potente, que é a minha opinião – nem sei se é a certa – mas que é a minha opinião.
Essa reflexão sobre a morte vai pegar todo mundo. As pessoas não esperam ver esse assunto em um livro de receitas. Não é uma mensagem comum a um chef.  É o tema da minha aula no MAD Food Camp [ministrada em Copenhague no dia 27 de agosto para cerca de 600 pessoas]. Atrás de qualquer prato de comida, e não estou falando de um preparado por um chef, mas atrás de qualquer prato de comida existe uma agressão ao meio ambiente. Em curtas palavras: quem desmata não mata, esteriliza um ecossistema. A produção em larga escala de alimento é a maior agressão que a natureza sofre hoje. O Brasil vem perdendo espaço de cerrado e [de floresta] na Amazônia para produção em escala de alimento. Isso traz consequências que não é só a morte física de um animal, mas a contaminação de todo um ecossistema e, principalmente, a perda da biodiversidade. É importante lembrar que não é só desmatando que se matam animais, nem mesmo caçando ou pescando. Jogando agrotóxico também. O Brasil é campeão mundial na utilização de químicos na agricultura. Contaminar o lençol freático esteriliza também. A gente vai ver campos verdes e desérticos ao mesmo tempo. A mensagem principal desse capítulo pode ser resumida na frase de um livro do (Manuel Vázquez) Montalbán – Contra los Gourmets,que a Helena Rizzo [chef do Maní] me mostrou –  “A gastronomia é ‘hipocritização’ da morte”.

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