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quinta-feira, janeiro 12

Mexicanos são destaque no segundo dia do Gastronomika

Ontem,  foi a vez dos mexicanos apresentarem sua cozinha ao público que lotava o auditório principal do Palácio Kursaal no evento Gastronomika. Quando se pergunta aos mexicanos como definem sua cozinha, a resposta gira em torno da seguinte frase: uma cozinha de cores, sabores e aromas. Para alguns, essa definição pode parecer lugar-comum ou algo folclórico, mas a verdade é que a apresentação dos cozinheiros do país foi, mesmo, colorida e impactante. Exceção feita à apresentação de Mikel Alonso e Bruno Oteiza, do aclamado restaurante Biko, Alejandro Ruiz, Titita Ramirez e a incrível zapoteca Abigail Mendoza não trouxeram filmes de seus restaurantes ou da elaboração de suas receitas - o que, normalmente, acontece em congressos deste tipo, por várias razões (tempo escasso, elaborações complexas etc).


Pelo contrário, fizeram do palco sua própria cozinha, trazendo ingredientes aos montes, toalhas coloridas, artesanato e seus utensílios tradicionais de trabalho, como o metate (um espécie de socador feito de pedra vulcânica, em que se trituram ingredientes como milho e cacau) e o comal (chapa quente, colocada sobre uma fonte de calor). Para quem teve o privilégio de conhecer o melhor da cultura culinária mexicana in loco, foi como ter, de novo, um pouco do gostinho do país.
O primeiro a apresentar-se foi Enrique Olvera, do restaurante Pujol, na capital. "Deixamos de fazer foie gras com zapote e começamos a fazer os grandes pratos de família do México", disse o chef, dando o tom de sua cozinha (de reinterpretação e análise do legado culinário mexicano), uma das referências gastronômicas obrigatórias para quem visita o país. Formado nos Estados Unidos, Olvera abriu a manhã deixando claro a particularidade das técnicas de cozinha do México. "A cozinha mexicana não corresponde às mesmas regras da cozinha francesa que aprendi. Começamos a estudar tudo outra vez".
Tortillas, fungos e maguey (planta da qual se extrai o mezcal, o destilado mexicano) encantaram os espanhóis: a partir de então (e, talvez, como resultado das apresentações brasileiras que, por causa do tempo curto, deixaram um gosto de quero-mais dos ingredientes nativos), o responsável pela condução das palestras solicitou mais informações sobre aqueles produtos tão únicos. "Nos inspiramos no dia-a-dia, naquilo que acontece nas ruas", defendeu Olvera, que não utiliza gadgets vanguardistas, como o Roner: em vez disso, tenta reproduzir técnicas ancestrais, pré-colombianas, como a barbacoa (forno coberto de pedras quentes escavado na terra, onde se assam carnes e outros produtos, recobertos por folhas de maguey). "Cozinhamos em forno a 160ºC, buscando esse resultado", explica o chef, que centrou sua apresentação nos tacos mexicanos.

Alejandro Ruiz (foto), natural de Oaxaca, que enfocou insetos em sua apresentação. Os insetos que há milênios servem de alimento - e importante fonte de proteína - aos mexicanos, dispostos aos milhares nas assadeiras, para delírio coletivo. Dinâmico, fez em sua aula diversas receitas tradicionais de seu estado, nas quais utilizou chapulines (espécie de gafanhoto) e guzanos (vermes que habitam a planta do maguey). Uma da mais emblemáticas foi a de tlayuda - tortilla de milho típica oaxaquenha, feita com milho branco, com um diâmetro de cerca de 30 cm.  "A cozinha oaxaquenha pode ter uma apresentação estilizada", conclui.


Em seguida, entraram as mulheres. Titita Ramirez (foto), em trajes típicos, estendeu sua toalha, abarrotou a mesa com seu chiles e iniciou a palestra. De personalidade forte, vigorosa, Titita conduz nove filiais pelo país de seu incrível restaurante El Bajío. Em San Sebastián, apresentou dezenas de chiles e tentou dirimir a ideia de que todos picam (ardem). Assim, ensinou técnicas para torná-los mais suaves. "O chile é o condimento mais usado em todo o mundo", pontificou. Na aula, os espanhóis aprenderam que 80% da picância de um chile está nas suas veias, e 20%, na polpa e nas sementes. Também deixou um alerta: "A planta de maíz (milho) é, para nós, uma divindade. É uma pena que nos queiram vender maíz transgênico". E sobre a ideia errônea do que é a cozinha de seu país, disse: "Não quero que a cozinha mexicana se desvirtue: nachos e burritos não são representantes da nossa culinária." Quanto às novas técnicas: "A fusão; às vezes, é confusão". Assim como os brasileiros, os mexicanos não tiveram qualquer apoio do governo para participar do Gastronomika: "Viemos por conta própria, sem a ajuda do governo. Com orgulho, estamos aqui", disse Titita.


Por fim, entrou no auditório a incrível Abigail Mendoza, toda paramentada, destilando sua língua zapoteca e desculpando-se pelo espanhol imperfeito. Mostrou os ponchos e tapetes coloridos naturalmente com a cochinilla, um inseto hóspede da tuna (cactus) e que há centenas de anos despertou o interesse dos estudiosos europeus por suas propriedades colorantes. Abigail está retomando esse conhecimento pré-hispânico (preparando, por exemplo, doces coloridos naturalmente com a cochinilla), assim como ajudando a disseminar a complexa técnica de preparar o atole de espuma - tema de sua apresentação, que estourou em muito o tempo regulamentar, mas encantou o público.

Atole de espuma é uma bebida (outrora sagrada) de festa, feita com cacau branco, milho, piloncillo (uma espécie de rapadura) e flores, de complexa operação (a fermentação do cacau dura 16 meses). Sem ajuda de qualquer imagem, Abigail tentou explicar os passos essenciais na elaboração do cacau branco, reforçando a delicadeza do sabor final e a importância de seguir todos os passos, como a fermentação, de maneira muito precisa. "Essa bebida tem um mistério, que é conseguir sua espuma de um cacau silvestre. É um trabalho de mulheres", ensina.

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